terça-feira, 20 de março de 2007

PRISCILIANO VERDADE GALEGA, SANTIAGO PATRANHA ESPANHOLA

Em Prisciliano e no que há arredor dele exprimem-se as manifestações mais genuinas da nossa idiossincrasia em perfeita oposição ao sistema romano de opressão, de colonização, de exploração do trabalho alheio, etc; e neste confronto, que arredor de Prisciliano dura séculos, continua tecendo-se (já com manifestações concretas), esse racismo surdo, escuro, cheio de ódio, que vai durar até os nossos dias, que é um dos fenómenos integrais que os colonizadores geram contra os colonizados por estes se resistirem à "doma e castração", degradando-os física e moralmente até os converter no que eles querem, no seu ódio, que sejam.

Prisciliano, galego segundo a maioria dos historiadores, alguns precisam mais e ubicam o seu berço em Íria Flavia(Padrão), arremete contra a corrupção dos homes que faziam as estruturas do Império Romano, nomeadamente contra a Igreja, perfeitamente articulada dentro do aparelho de poder, rejeitando o modo de vida degradante a que se submete à população.

Afasta-se e cria algo novo, libertador, um tipo de vida baseado no trabalho em comum e na igualdade mesmo da mulher, aspecto este como os outros em perfeita concordância com o modo de vida rural (e que por sua vez exprimem a sua idiossincrasia) da população galiciana em que tanto logrou prender.

O rechaço da riqueza e a pobreza que igualava no trabalho aos seres humanos mesmo tomando ritos, costumes, cultos, tradições galegas, serviram para criar um movimento que se estendeu asinha pela Callaecia e a Lusitânia, por toda a Península e mais tarde por Europa Ocidental.

E asinha foi reprimido pela coligação eclesiástico-governamental.Prisciliano e quatro dirigentes mais do movimento, os mártires, são degolados em Trêveris (Alemanha) em 385. A subsequente generalizada repressão não fez mais do que estender o movimento que colhe ainda mais força. Os corpos dos mártires e as cabeças são transladados à Callaecia e sepultados, com toda probabilidade, em Compostela (naquela altura chamava-se Livre-dom) convertendo-se os túmulos em centros de peregrinação.Parece ser que o movimento abrangeu o conjunto da população, o clero e mesmo o episcopado.

Neste processo abrocha o racismo eclesial-romano contra nós de um jeito manifesto e brutal. Durante dez anos (390-400) a igreja galega é cismática; afastada de Roma vive a sua própria vida espiritual. Ser galego equivalia a ser herege-já Estrabão quatro séculos antes escrevia de nós que eramos ateus. O Concilio de Toledo em 390 condena-nos.

No ano 396 convoca-se um novo Concilio de Toledo para julgar os bispos da Gallaecia (a Lusitânia,a Bética e a Aquitânia deixaram de ser priscilianistas), mas estes não se apresentam.

Brachiario, monge galego, convencido da iminência do fim do mundo e da eterna condenação dos seus compatriotas que não faziam caso algum das suas exortações ,desanimado vai-se a Roma, onde pelo feito de ser galego é catalogado como priscilianista.

O Concílio de Toledo celebrado no ano 400 tem, de novo, como "estrela" o priscilianismo. A ele acodem dez bispos galegos. O concílio condena, mais uma vez, o priscilianismo. Quatro dos bispos galegos assistentes, declararam, porém, a doutrina de Prisciliano como perfeita. Os quatro foram excomungados e depostos.

Oito anos mais tarde, Honório, Imperador Romano, filho de Teodósio ,anuncia a sua intenção de acabar com os priscilianistas, e um novo período de terror desata-se na Gallaecia, terra de refúgio dos perseguidos pelo Império. A horrorosa chegada dos suevos (409) coincide com o período de terror desatado por Honório contra priscilianistas e maniqueus.

O I Concílio Bracarense do ano 501 especifica 17 dogmas contra o priscilianismo. Num deles excomungam-se os clérigos que não comam carne.

No Concílio celebrado em Braga no ano 572, a Igreja continua a reconhecer a vigência do priscilianismo.

Ainda no Concílio de Toledo celebrado o ano 683 sob a presidência de S. Isidoro, condena-se os curas da Gallaecia porque não se tonsuravam e levavam cabelo longo, segundo costume dos priscilianistas.

Menéndez Pelaio cita a Matter, porque segundo afirma este, o priscilianismo como seita perdurou até a invasão dos árabes; as práticas priscilianistas algo mais.

A patranha da presença do corpo e a cabeça do apóstolo em Compostela conta-no-la a Historia Compostelã tomando a testemunha do papa Leão III (796-816) que inclui milagre. No relato, porém, reconhece "culto desde antigo"no lugar, que desaparece muito tempo, conseqüência da perseguição pela orgulhosa tirania dos pagãos...

Carlos Magno parece que foi, naquela altura, o símbolo do poder cristão para conter o Islão nuns momentos de grande perigo para a Europa. À sua morte(814), na corte de Ovieu sentem-se desvalidos e argalham uma nova patranha com o fim de terem um símbolo que os salvasse, um "detente-bala" da época. Os godos, mais uma vez, ou a coligação vaticano-visigoda atenta contra a nossa idiossincrasia, convertendo o culto ao priscilianismo, de amor e de vida, num culto de ódio e de morte, o "Santiago matamouros", que presidirá o genocídio espanhol em América.

A patranha é tão grossa que há um espesso manto de silêncio sobre as origens do "sepulcro do apóstolo". O Papa, o Arcebispo, Fraga, etc., têm afirmado expressa e reiteradamente que o túmulo é o do apóstolo e não o dos mártires. Os vaticano-espanhóis não querem em absoluto, que se fale do tema porque ainda hoje se põe em perigo "a urbe et a orbe" cristã. Há gente, porém, de ideologia católico-conservadora que já tem semi-reconhecida a falsidade do descobrimento do apóstolo.

Emilio Gonçales Lopes afirma que as notícias da predicação do apóstolo em Espanha acharam por primeira vez a sua expressão literária no Breviarium Apostolorum, que era uma tradução ao latim desta obra grega publicada entre 600 e 650. Ele diz que a versão grega não afirma a prédica do apóstolo em Espanha.

Entre 600 e 650 S. Gião de Toledo nega que o apóstolo predicasse em Espanha. Em 766, em plena reconquista, o Beato de Liébana, nos seus comentarios ao Apocalipse, obra que goçou de grande popularidade na Espanha goda, afirma a prédica.

A rainha Adosinda, esposa de Mauregato, deu-lhe reconhecimento oficial ao culto de Santiago na corte do Ovetenses Regnum,e desde então fez parte da vida religiosa da corte.

Nos anos em que Ovieu sofreu os horrores da destruição das primeiras" açeifas" árabes (794-796) ,o culto a Santiago seguiu vivo e inspirou em parte a reconstruição da cidade por Afonso II o Casto.

Do ponto de vista político, a patranha do descobrimento, supõe um golpe a todo intento secessionista de Galiza, ou dito doutra maneira, reafirma a estrutura unitaria goda. Mais adiante, o Portugal independente e cristão tem que mudar de patrono: O "Santiago matamouros" pelo São Jorge, por imperativo político independentista.

As três ou quatro afirmações que o Papa fez na carta que leu Rouco na inauguração do Jacobeo ,de o túmulo ser o do apóstolo, seguem pondo de relevo a importância política do símbolo para as gentes galegas continuarmos a ser colónia económica e moral do mais reaccionário que hoje existe no mundo: A Monarquia espanhola coligada com o Vaticano. Negam-nos por definição. Dá-lhes o mesmo que a necrópole descoberta aponte, segundo todas as evidências, para ser a de Prisciliano e os mártires. Se isto se comprovasse cientificamente, todo o mito colonizador de Espanha e a sua monarquia unitária goda vir-se-ia em baixo, com resultados libertadores para nós. Eis, pois, a importância e actualidade do tema, sobretudo porque João Carlos I de Bourbon e Bourbon, semelha Bobão, virá o 25 de Julho fazer o pregão ao "apóstolo" convidado por um indivíduo de ideologia nazi-fascista chamado Manuel Fraga que reivindica Fernando e Isabel, Reis Católicos, de quém já tem dito Maquiavelo: "Um principe do nosso tempo, que não convém nomear, não fala doutra cousa senão de paz e de fé e de uma e de outra é mui grande inimigo".

Nós devemos dizer em Galiza e agora o mesmo.

Publicado na Galiza nos primeiros anos da década dos noventa.

GRUPO GALEGO-PORTUGUÊS DE ESTUDOS HISTÓRICOS

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